17 de jun. de 2014

Os Livros, nossos amigos

"A paixão dos livros pode começar cedo, mas não se deve dar o nome de bibliófilo senão a quem já trocou a paixão dos livros novos - das efêmeras novidades literárias - pela outra, muito mais intensa, dos livros velhos."*
*Inscrição em tons de cinza bem apagados que se encontra na contra capa.


           Eduardo Frieiro é o idealizador desta maravilhosa obra, digo isto por que ao lê-la fiquei com vontade de relê-la incansavelmente; acho que devido pelo tom de conversa e por abordar um assunto de extremo interesse para mim (tudo que envolve livros). 
 
         O escritor foi professor, escritor mineiro, participante da Academia Mineira de Letras, fundador da Faculdade de Filosofia, fundador e primeiro diretor da Biblioteca Pública de Minas Gerais, além de ter recebido o Prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras. De acordo com minha leitura, teve durante sua vida voltada para o mundo do conhecimento, principalmente pela leitura. 

       O conjunto de ensaios, conta com inúmeras referências históricas (Ex-líbris), atos cotidianos que ficaram para a história como os erros tipográficos (O Diabo nas tipografias), bichos que amam os livros (Os inimigos do livros), sobre encadernações (A indumentária do livro) e interessantes contos sobre o mundo bibliófilo (Tristeza e alegria do bibliófilo pobre). É interessante ressaltar os nomes do primeiro e último capítulo, pois transmitem a viagem realizada pelos leitores, desde "Arte de amar os livros" até "Toda palavra impressa é um monumento a Gutemberg".
        
              A edição que li faz parte das "Edições do Senado Federal", volume 80; no total de 198 páginas, com trinta e três capítulos. Eduardo Frieiro fez uma obra obrigatória para os conhecedores (ou não) do mundo biblíofilo, da leitura, da história do livro e de seus diversos pormenores; o livro nos chama para torná-lo de cabeceira devido a inesgotável fonte de conhecimentos diversos.

        Algo que estranhei foram poucas referências a Eduardo Frieiro, nem mesmo na edição que li há alguma informação biográfica. Mas, segundo o wikipedia, temos que suas publicações foram estas: 
       
  • O Clube dos Grafômanos, (romance), Edições Pindorama, Belo Horizonte, 1927;
  • 0 Mameluco Boaventura (romance), idem, idem, 1929;
  • Inquietude, Melancolia (romance), idem, idem, 1930;
  • 0 Brasileiro Não É Triste (ensaio), ed. Os Amigos do Livro, 1931;
  • A Ilusão Literária (ensaio), idem, idem, 1932;
  • 0 Cabo das Tormentas (romance), idem. idem, 1936;
  • Letras Mineiras (ensaio), idem, idem, 1937;
  • Os Livros, Nossos Amigos (ensaio), Livraria Paulo Bluhm, Belo Horizonte, 1941. A 2ª e 3ª edições da Editora Pensamento, São Paulo, 1945 e 1957;
  • Como Era Gonzaga?, publicações da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1950;
  • O Diabo na Livraria do Cônego (ensaio), Livraria Cultura Brasileira, Belo Horizonte, 1946; a 2ª ed.
  • Páginas de Crítica e Outros Escritos (ensaio), 1955;
  • O Alegre Arcipreste e Outros Temas da Literatura Espanhola (ensaio), Livraria Oscar Nicolai, Belo Horizonte, 1959;
  • O Romancista Avelino Foscolo (biografia).
  • Feijão, Angu e Couve (ensaio), Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1950.

 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Frieiro


3 de jun. de 2014

Acerca da "A Mosca, A pasta, e os Sapatos", 
de Moreira Campos

A temática é pertinente e faz alusões a diversas situações e práticas cotidianas, relacionando-se com o metafísico e comportamental, além de considerar as questões sociais e opressoras. O título dessa postagem é um conto que pertence ao volume intitulado “Dizem que os cães vêem coisas”, publicado em 1987; ainda em vida o autor. Nesse célebre título há o conto-título do livro e “As corujas”, toda a obra perfaz o caminho do mistério, das contradições, do dia-a-dia e, principalmente, do fantástico. 



Moreira Campos nasceu em Senador Pompeu (CE), 1914, e faleceu em Fortaleza (CE), 1994. Sua vida foi marcada pela escritas de contos e ativismo para valorização da literatura em todos os espaços. Há publicações diversos idiomas, como inglês, francês, dentre outros. Esse ano é marcado pelo seu centenário de vida, diversas homenagens de diversas ordens estão sendo realizadas. As publicações de Moreira são respectivamente:

 Vidas Marginais (1949);
Portas Fechadas (1957);
As Vozes do Morto (1963);
O Puxador de Terço (1969); 
Contos Escolhidos (1971);
Momentos, contos (1976); 
Os 12 Parafusos (1978); 
10 Contos Escolhidos (1981);
A Grande mosca no copo de leite (1985);
 Dizem que os cães vêem coisas (1987).


O conto começa ambientando o tema principal, que é a doença de um homem, que possui seis filhos, e que teria seis meses de vida. O filho mais velho, Miguel, é chamado pelo homem numa manhã de domingo numa saleta da casa, conversaram entre si; o pai conversa com o filho de forma terminal, dizendo de suas rendas, de como este deveria agir quando se for, recomendou que olhassem por sua mãe. Após as recomendações, sua mulher observa o esposo e briga com este devido apalpar sua doença: “Tira esta mão daí, homem!” Após estas palavras há silêncio total na saleta, e passamos, a saber, mais sobre a vida daquele homem moribundo. 


O título do conto perfaz um resumo significativo de todo o enredo, “A Mosca, a Pasta, e os Sapatos” esses elementos juntos e na mesma sequência das ações presentes no conto vem com letras maiúsculas, que pode representar a personificação de diversos elementos.


Sendo assim, “A Mosca” podendo ser a proximidade do corpo do moribundo a chegada da morte, a posição igual e repetitiva (aparecendo três vezes na mesma posição, “no canto da boca do doente”) intriga e torna a atmosfera da história como algo escatológico e próximo as fronteiras da vida para a morte. 


“A Pasta” retrata no conto a incansável vida do dono desta chegando a ser descrita como uma pessoa: “Prestara muito serviço, quase que acompanhara o pai a vida toda. Difícil separar os dois. Uniam-se: a pasta era ele, ele era a pasta.” E como o narrado nos conta, que vê-la inerte em cima da mesa significa uma reconstituição da vida do doente antes, quando seu corpo ainda era grande, meio curvo, braços enormes e as singulares gravatas que usava. Podemos considerar também a pasta como o principal elemento que importava para a vida do moribundo, como é caracterizada e as diversas associações e palavras que o próprio doente diz no início do conto ao dizer para seu filho mais velho a posse da casa: “Trabalhei para isso. Economizei. Fiz disso um costume.”


“Os Sapatos” metaforicamente pode ser associado ao pedido que o moribundo pede para seu filho, que quando morrer gostaria de vestido de paletó e gravata, mas descalço ou talvez de meias. Depois percebemos o porquê desse estranho pedido, tomamos conhecimento que o sapato era praticamente novo e só fora usado duas vezes pelo moribundo, para este seria “gasto superficial” ser enterrado com o sapato e sua condição. 


Por esses elementos presentes no título podemos perceber as características do personagem principal, seu estilo de vida, sua rotina e as suas escolhas para a vida. Homem voltado para preocupações econômicas, chegando a chamar seu filho mais velho (Miguel) para falar de sua renda, de seus negócios e o que fazer após seu próprio falecimento. Normalmente, os moribundos chamam seus parentes para agradecer, aproveitar o momento juntos, lembrar bons momentos; nesse caso é completamente diferente, o pai chama o filho para falar de seguro, apólice, carteira de trabalho.


O filho mais velho (Miguel), segundo personagem, está ao lado do pai todo o enredo, suas poucas palavras e até mesmo o que o narrador nos diz: “o filho valia-se mais da repetição: - Sei, sei. Silêncio.” Podem representar o distanciamento na relação pai-filho, até mesmo por ser o mais velho já demonstra grande ressalto, porque os filhos mais velhos tendem a ser mais próximos aos seus pais, pelo caráter primogênito. Outro elemento característico do personagem Miguel é a presença do silêncio vindo depois de poucas palavras, o discurso mais longo entre este e seu pai são de dez palavras.


A mãe, personagem não nomeado, tem passagens que mostram sua forte personalidade e representa a mulher dona de casa que faz de tudo pela sua família. Em diversos trechos do conto percebemos esses elementos, tais como o doente falando ao filho: “Sua mãe foi uma grande companheira”, “pedia que ele e os irmãos a amparassem”, na repetição “Uma grande companheira, sua mãe” e em ações com ajuda do marido ao chegar de um dia difícil no trabalho, dentre outras.


O tempo do enredo cronológico é período matutino, logo no início do conto vemos a incidência do tempo na terceira linha “naquela manhã de domingo”. Mas durante o desenrolar vemos a sequência de ações em diferentes partes: como passado, a história sendo contado no passado, uso do “quando”, como primeira palavra, verbos no passado, “conversaram”; depois  o narrador começa a contar  a história do encontro entre pai e filho, como narrado observador e conhecedor de tudo. É importante ressaltar as idas e vindas do tempo aliados a memória do narrador e de elementos que fazem parte da história, como a a Mala e sua significação.


O espaço central da história é o quarto do doente, que mora com sua esposa, que aparentemente vivem sozinhos embora tivessem seis filhos. A presença do homem na casa apesar de se encontrar bastante doente, esta completamente ligada às primeiras linhas do conto, ou seja, o desengano de que sua doença poderia ser curada. 


Além dos elementos citados no título é bem característico o cacarejo da galinha, a réstia de sol (que aparece no início do conto e no último parágrafo do conto) e a descrição do estado do homem frente a sua percepção de estar a ficar doente e a reflexão de tempos depois já em estado avançado da doença. Percebemos que o homem não buscou tratamento para sua doença, mesmo percebendo que algo não estava certo no seu interior, mas se auto-afirmava que estava com saúde.


Exemplificando, antes da contestação da doença: 

“Mesmo os dois mais novos, já trocadores de ônibus, emprego que ele próprio arranjara, quando ainda tinha saúde, embora desconfiasse de que algo o começava a minar: a inapetência, o tique do apalpar o endurecimento no intestino, bola de carne que prendia entre os dedos graúdos.” (CAMPOS, Moreira. Dizem que os cães vêem coisas, p.95-96)


E após o laudo final do médico:



“Perdia-se nas dobras do pijama, que o próprio doente apanhava com a mão para medir a magreza, com desgosto. As pernas secas (o luzidio do osso) repousadas na banqueta ali na espreguiçadeira. As unhas dos pés crescidas e curvas, o corte da operação no ventre em risca vermelha, ainda marcada pelos pontos como um zíper.” (CAMPOS, Moreira. Dizem que os cães vêem coisas, p.96)


A leitura do conto proporcionou reforçar a visão de que com poucas palavras, poucas páginas podem ser construídas com significação e analogias profundas sobre diversidades de assuntos. 


O ritmo de leitura e a profundidade das ações dos personagens são marcantes pela disposição dos elementos e das palavras, que podemos considerar certas; estas realmente levam o leitor a vivenciar as ações e a marcar com imagens como a mosca que pousa diversas vezes no canto da boca do doente, a simbólica presença da réstia de sol no inicio e no fim do conto e o silêncio. Moreira Campos com certeza soube expressar em seus contos todo  os detalhes, reflexões e choque para com as diversas realidades.

 Confira os vídeos abaixo:

    (Curta sobre o conto "Dizem que os cães vêem coisas".)
 
(Uma das diversas homenagens ao centenário do escritor)