de Moreira Campos
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Moreira Campos nasceu em Senador Pompeu (CE), 1914, e faleceu em Fortaleza (CE), 1994. Sua vida foi marcada pela escritas de contos e ativismo para valorização da literatura em todos os espaços. Há publicações diversos idiomas, como inglês, francês, dentre outros. Esse ano é marcado pelo seu centenário de vida, diversas homenagens de diversas ordens estão sendo realizadas. As publicações de Moreira são respectivamente:
Vidas Marginais (1949);
Portas Fechadas (1957);
As Vozes do Morto (1963);
O Puxador de Terço (1969);
Contos Escolhidos (1971);
Momentos, contos (1976);
Os 12 Parafusos (1978);
10 Contos Escolhidos (1981);
A Grande mosca no copo de leite (1985);
Dizem que os cães vêem coisas (1987).
O conto começa ambientando o tema principal, que é a doença de um homem, que possui seis filhos, e que teria seis meses de vida. O filho mais velho, Miguel, é chamado pelo homem numa manhã de domingo numa saleta da casa, conversaram entre si; o pai conversa com o filho de forma terminal, dizendo de suas rendas, de como este deveria agir quando se for, recomendou que olhassem por sua mãe. Após as recomendações, sua mulher observa o esposo e briga com este devido apalpar sua doença: “Tira esta mão daí, homem!” Após estas palavras há silêncio total na saleta, e passamos, a saber, mais sobre a vida daquele homem moribundo.
O título do conto perfaz um resumo significativo de todo o enredo, “A Mosca, a Pasta, e os Sapatos” esses elementos juntos e na mesma sequência das ações presentes no conto vem com letras maiúsculas, que pode representar a personificação de diversos elementos.
Sendo assim, “A Mosca” podendo ser a proximidade do corpo do moribundo a chegada da morte, a posição igual e repetitiva (aparecendo três vezes na mesma posição, “no canto da boca do doente”) intriga e torna a atmosfera da história como algo escatológico e próximo as fronteiras da vida para a morte.
“A Pasta” retrata no conto a incansável vida do dono desta chegando a ser descrita como uma pessoa: “Prestara muito serviço, quase que acompanhara o pai a vida toda. Difícil separar os dois. Uniam-se: a pasta era ele, ele era a pasta.” E como o narrado nos conta, que vê-la inerte em cima da mesa significa uma reconstituição da vida do doente antes, quando seu corpo ainda era grande, meio curvo, braços enormes e as singulares gravatas que usava. Podemos considerar também a pasta como o principal elemento que importava para a vida do moribundo, como é caracterizada e as diversas associações e palavras que o próprio doente diz no início do conto ao dizer para seu filho mais velho a posse da casa: “Trabalhei para isso. Economizei. Fiz disso um costume.”
“Os Sapatos” metaforicamente pode ser associado ao pedido que o moribundo pede para seu filho, que quando morrer gostaria de vestido de paletó e gravata, mas descalço ou talvez de meias. Depois percebemos o porquê desse estranho pedido, tomamos conhecimento que o sapato era praticamente novo e só fora usado duas vezes pelo moribundo, para este seria “gasto superficial” ser enterrado com o sapato e sua condição.
Por esses elementos presentes no título podemos perceber as características do personagem principal, seu estilo de vida, sua rotina e as suas escolhas para a vida. Homem voltado para preocupações econômicas, chegando a chamar seu filho mais velho (Miguel) para falar de sua renda, de seus negócios e o que fazer após seu próprio falecimento. Normalmente, os moribundos chamam seus parentes para agradecer, aproveitar o momento juntos, lembrar bons momentos; nesse caso é completamente diferente, o pai chama o filho para falar de seguro, apólice, carteira de trabalho.
O filho mais velho (Miguel), segundo personagem, está ao lado do pai todo o enredo, suas poucas palavras e até mesmo o que o narrador nos diz: “o filho valia-se mais da repetição: - Sei, sei. Silêncio.” Podem representar o distanciamento na relação pai-filho, até mesmo por ser o mais velho já demonstra grande ressalto, porque os filhos mais velhos tendem a ser mais próximos aos seus pais, pelo caráter primogênito. Outro elemento característico do personagem Miguel é a presença do silêncio vindo depois de poucas palavras, o discurso mais longo entre este e seu pai são de dez palavras.
A mãe, personagem não nomeado, tem passagens que mostram sua forte personalidade e representa a mulher dona de casa que faz de tudo pela sua família. Em diversos trechos do conto percebemos esses elementos, tais como o doente falando ao filho: “Sua mãe foi uma grande companheira”, “pedia que ele e os irmãos a amparassem”, na repetição “Uma grande companheira, sua mãe” e em ações com ajuda do marido ao chegar de um dia difícil no trabalho, dentre outras.
O tempo do enredo cronológico é período matutino, logo no início do conto vemos a incidência do tempo na terceira linha “naquela manhã de domingo”. Mas durante o desenrolar vemos a sequência de ações em diferentes partes: como passado, a história sendo contado no passado, uso do “quando”, como primeira palavra, verbos no passado, “conversaram”; depois o narrador começa a contar a história do encontro entre pai e filho, como narrado observador e conhecedor de tudo. É importante ressaltar as idas e vindas do tempo aliados a memória do narrador e de elementos que fazem parte da história, como a a Mala e sua significação.
O espaço central da história é o quarto do doente, que mora com sua esposa, que aparentemente vivem sozinhos embora tivessem seis filhos. A presença do homem na casa apesar de se encontrar bastante doente, esta completamente ligada às primeiras linhas do conto, ou seja, o desengano de que sua doença poderia ser curada.
Além dos elementos citados no título é bem característico o cacarejo da galinha, a réstia de sol (que aparece no início do conto e no último parágrafo do conto) e a descrição do estado do homem frente a sua percepção de estar a ficar doente e a reflexão de tempos depois já em estado avançado da doença. Percebemos que o homem não buscou tratamento para sua doença, mesmo percebendo que algo não estava certo no seu interior, mas se auto-afirmava que estava com saúde.
Exemplificando, antes da contestação da doença:
“Mesmo os dois mais novos, já trocadores de ônibus, emprego que ele próprio arranjara, quando ainda tinha saúde, embora desconfiasse de que algo o começava a minar: a inapetência, o tique do apalpar o endurecimento no intestino, bola de carne que prendia entre os dedos graúdos.” (CAMPOS, Moreira. Dizem que os cães vêem coisas, p.95-96)
E após o laudo final do médico:
“Perdia-se nas dobras do pijama, que o próprio doente apanhava com a mão para medir a magreza, com desgosto. As pernas secas (o luzidio do osso) repousadas na banqueta ali na espreguiçadeira. As unhas dos pés crescidas e curvas, o corte da operação no ventre em risca vermelha, ainda marcada pelos pontos como um zíper.” (CAMPOS, Moreira. Dizem que os cães vêem coisas, p.96)
A leitura do conto proporcionou reforçar a visão de que com poucas palavras, poucas páginas podem ser construídas com significação e analogias profundas sobre diversidades de assuntos.
O ritmo de leitura e a profundidade das ações dos personagens são marcantes pela disposição dos elementos e das palavras, que podemos considerar certas; estas realmente levam o leitor a vivenciar as ações e a marcar com imagens como a mosca que pousa diversas vezes no canto da boca do doente, a simbólica presença da réstia de sol no inicio e no fim do conto e o silêncio. Moreira Campos com certeza soube expressar em seus contos todo os detalhes, reflexões e choque para com as diversas realidades.
Confira os vídeos abaixo:
(Curta sobre o conto "Dizem que os cães vêem coisas".)
(Uma das diversas homenagens ao centenário do escritor)
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